sexta-feira, 24 de agosto de 2012

LANÇAMENTO DO PROJETO ALTERNATIVO E CORTEJO DO NÃO VOTO

O PROJETO ALTERNATIVO - A SAÍDA PRA VIDA PLENA DE SENTIDO será lançado hoje, sexta, 31/08, na Praça do Ferreira. A iniciativa do Grupo Crítica Radical e Movimento Sair do Capitalismo será acompanhada de um cortejo do NÃO VOTO. Estão sendo concluidos os preparativos para o funcionamento regular da RÁDIO e TV WEB.
31/Ago/12 (SEXTA)• 16h • PRAÇA DO FERREIRA 

Veja o que já saiu na imprensa:
                   
Estaremos transmitindo pela TV Web através do site www.criticaradical.org (twitter)      

Movimento fará cortejo para defender o "Não voto"

Movimento fará cortejo para defender o "Não voto"

sábado, 4 de agosto de 2012

PORQUE RECUSAR E SUPERAR A POLÍTICA!


ESTAMOS AQUI POR FORTALEZA,
PELA HUMANIDADE E O PLANETA

A natureza da crise atual é inédita. Seu anúncio foi o colapso do socialismo.
Quando ela irrompeu, pela primeira vez, em 2008, balançou o sistema e deixou atônitos governantes, políticos, partidos, banqueiros, investidores, empresários, trabalhadores, acadêmicos, modernistas, pós-modernistas, economistas, capitalistas, socialistas, religiosos, ateus, etc, etc.
A gravidade da situação ficou escancarada. O Estado  socorreu imediatamente o Mercado. Mas essa ajuda durou pouco. Em 2010 o Estado entra em bancarrota. A partir daí, a secular  dobradinha mercado e estado já não funciona mais. Quem se vangloriou por estar de fora, não demorou para ser também, atingido.
De lá para cá a política, o estado, a economia, o mercado começaram a girar em falso. O capitalismo iniciou uma sinalização de que estava se desmanchando no ar. As inúmeras tentativas para debelar a crise fracassam. O exemplo mais destacado são os encontros de governantes do mundo todo. A partir daí começou a tomar corpo uma interrogação: o que vai substituir o capitalismo?
Como se sabe, a crise do sistema não resultou da pressão dos movimentos sociais. Suas ideias sobre suas reivindicações, lutas e greves permaneceram e permanecem na superficialidade dos fenômenos. Continuam desconsiderando e ignorando os alertas que explicam que a crise atual advém da lógica do moderno sistema patriarcal produtor de mercadorias. Não querem colocá-lo em questão. Com isso, suas conquistas ficam limitadas. Tudo fazem para que a transcendência ao sistema não seja colocada. Assim, suas atitudes avalizam a administração da barbárie capitalista.
Isto fica cristalino na atualidade com a campanha eleitoral. Seus partidos e candidatos(as) querem impedir que um descontentamento crítico radical se espraie. Objetivam canalizar a revolta e desviá-la do seu possível foco contra o fundamento do capitalismo e suas categorias fundantes. Esse comportamento constitui não apenas um tremendo erro de avaliação. Ele se reveste, hoje, de um caráter conservador, retrógrado, suicida.
Os governantes tudo fazem para conter a crescente insatisfação. Recorrem a um festival de medidas demagógicas, restritivas e autoritárias. No entanto, elas expõem não apenas o fracasso da política, da economia e do capitalismo. Expõem também o amadurecimento de uma situação que clama por uma teoria e uma prática inovadoras capazes de construírem uma nova relação social.
E é isto o que estamos propondo. Trata-se de uma verdadeira ruptura que vai pôr um paradeiro no genocídio da humanidade, no ecocídio do planeta e no afundamento coletivo na barbárie. Isso representará uma nova história para os seres humanos e a Terra.
Afinal, a crise atual está carregada de condições objetivas para a suplantação do sistema. No entanto, falta-nos condições subjetivas que só serão alcançadas mediante a  nossa compreensão sobre o fundamento do capitalismo, sua crise atual e a nossa organização num movimento social de novo tipo para superar esse sistema.
Ignorar as lições da história nos leva não só a repetir, hoje, os erros do passado. Aceitar a continuidade dessa atrocidade humana e ambiental em curso é assumir o assassinato do nosso presente e do nosso futuro. Não existe mão invisível do mercado e mão pesada do estado sem seres humanos que os construíram e mantêm. Somos nós, os seres humanos, que permitimos que essa situação ainda permaneça. Mas, também, somos nós os únicos que podemos acabar com ela.
Urge que milhões de pessoas, conscientes e organizadas, decidam ir além da decomposição  capitalista e devastação ambiental. Para isso teremos que  construir já uma saída para uma vida plena de sentido. E se não existem caminhos traçados, voar é preciso. Um significativo segmento social de Fortaleza resolveu dar início à caminhada emancipatória. Você está sendo convidado(a). O projeto alternativo que ora lançamos almeja contribuir para esse objetivo.

LANÇAMENTO DO PROJETO ALTERNATIVO!
INAUGURAÇÃO DA SEDE DO NÃO VOTO!

APRESENTAÇÃO DO PROJETO, INAUGURAÇÃO DO ESTÚDIO DA RÁDIO E TV WEB,
PREPARATIVOS PARA LANÇAMENTO DO JORNAL DE SAÍDA,
APRESENTAÇÃO DO CORDEL NÃO VOTO.

14/Ago/12 (TERÇA)• 18h • RUA JOÃO GENTIL, 47
PRAÇA DA GENTILÂNDIA

Mais informações: www.criticaradical.org

O QUE VAI SUBSTITUIR O CAPITALISMO?

A natureza da crise atual é inédita. Seu anúncio foi o colapso do socialismo.
Quando ela irrompeu, pela primeira vez, em 2008, balançou o sistema e deixou atônitos governantes, políticos, partidos, banqueiros, investidores, empresários, trabalhadores, acadêmicos, modernistas, pós-modernistas, economistas, capitalistas, socialistas, religiosos, ateus, etc, etc.
A gravidade da situação ficou escancarada. O Estado socorreu imediatamente o Mercado. Mas essa ajuda durou pouco. Em 2010 o Estado entra em bancarrota. A partir daí, a secular dobradinha mercado e estado já não funciona mais. Quem se vangloriou por estar de fora, não demorou para ser também, atingido.
De lá para cá a política, o estado, a economia, o mercado começaram a girar em falso. O capitalismo iniciou uma sinalização de que estava se desmanchando no ar. As inúmeras tentativas para debelar a crise fracassam. O exemplo mais destacado são os encontros de governantes do mundo todo. A partir daí começou a tomar corpo uma interrogação: o que vai substituir o capitalismo?
Como se sabe, a crise do sistema não resultou da pressão dos movimentos sociais. Suas ideias sobre suas reivindicações, lutas e greves permaneceram e permanecem na superficialidade dos fenômenos. Continuam desconsiderando e ignorando os alertas que explicam que a crise atual advém da lógica do moderno sistema patriarcal produtor de mercadorias. Não querem colocá-lo em questão. Com isso, suas conquistas ficam limitadas. Tudo fazem para que a transcendência ao sistema não seja colocada. Assim, suas atitudes avalizam a administração da barbárie capitalista.
Isto fica cristalino na atualidade com a campanha eleitoral. Seus partidos e candidatos(as) querem impedir que um descontentamento crítico radical se espraie. Objetivam canalizar a revolta e desviá-la do seu possível foco contra o fundamento do capitalismo e suas categorias fundantes. Esse comportamento constitui não apenas um tremendo erro de avaliação. Ele se reveste, hoje, de um caráter conservador, retrógrado, suicida.
Os governantes tudo fazem para conter a crescente insatisfação. Recorrem a um festival de medidas demagógicas, restritivas e autoritárias. No entanto, elas expõem não apenas o fracasso da política, da economia e do capitalismo. Expõem também o amadurecimento de uma situação que clama por uma teoria e uma prática inovadoras capazes de construírem uma nova relação social.
E é isto o que estamos propondo. Trata-se de uma verdadeira ruptura que vai pôr um paradeiro no genocídio da humanidade, no ecocídio do planeta e no afundamento coletivo na barbárie. Isso representará uma nova história para os seres humanos e a Terra.
Afinal, a crise atual está carregada de condições objetivas para a suplantação do sistema. No entanto, falta-nos condições subjetivas que só serão alcançadas mediante a nossa compreensão sobre o fundamento do capitalismo, sua crise atual e a nossa organização num movimento social de novo tipo para superar esse sistema.
Ignorar as lições da história nos leva não só a repetir, hoje, os erros do passado. Aceitar a continuidade dessa atrocidade humana e ambiental em curso é assumir o assassinato do nosso presente e do nosso futuro. Não existe mão invisível do mercado e mão pesada do estado sem seres humanos que os construiram e mantêm. Somos nós, os seres humanos, que permitimos que essa situação ainda permaneça. Mas, também, somos nós os únicos que podemos acabar com ela.
Urge que milhões de pessoas, conscientes e organizadas, decidam ir além da decomposição capitalista e devastação ambiental. Para isso teremos que construir já uma saída para uma vida plena de sentido. E se não existem caminhos traçados, voar é preciso. Um significativo segmento social de Fortaleza resolveu dar início à caminhada emancipatória.
Você está sendo convidado(a). O projeto alternativo que ora lançamos almeja contribuir para esse objetivo.
LANÇAMENTO DO PROJETO ALTERNATIVO!
INAUGURAÇÃO DA SEDE DO NÃO VOTO!
APRESENTAÇÃO DO PROJETO, INAUGURAÇÃO DO ESTÚDIO DA RÁDIO E TV WEB,
PREPARATIVOS PARA LANÇAMENTO DO JORNAL DE SAÍDA,
APRESENTAÇÃO DO CORDEL NÃO VOTO.
14/Ago/12 (TERÇA)• 18h • RUA JOÃO GENTIL,47
PRAÇA DA GENTILÂNDIA

Mais informações: www.criticaradical.org

quarta-feira, 27 de junho de 2012

ANTEPROJETO DO MOVIMENTO SAIR DO CAPITALISMO



Será que diante do genocídio da humanidade e do ecocídio do planeta seremos capazes de uma reflexão e ação conscientes que sejam portadoras de uma chama infinita de esperança, energia psíquica, ousadia emancipatória, vontade, paixão e tesão para transformarmos radicalmente esta sociedade?


“Os dias dessa sociedade estão contados; suas razões e seus méritos foram pesados e verificados fracos; seus habitantes estão divididos em dois partidos, um dos quais quer que ela desapareça”.

Guy Debord

Prefácio à 4ª edição italiana de

A Sociedade do Espetáculo

Janeiro/1979

Caro(a) amigo(a),

Com você o Anteprojeto* do Movimento Sair do Capitalismo. Ele foi apresentado, discutido e aprovado em um encontro realizado em Fortaleza.
 Através dele nos dirigimos aos(às) que refletem e lutam pela transcendência ao sistema,  não só aqui em Fortaleza, mas no Brasil, na Cúpula Mundial dos Povos na Rio+20, no Fórum Social Mundial, nos EUA, na União Européia, na China, nos países árabes, nos Fóruns alternativos, nos movimentos sociais e ecológicos e em todos os quadrantes da Terra.
No anteprojeto apresentamos a proposta, para nós inadiável, de construirmos um novo movimento social para apreender, combater e suplantar a totalidade capitalista e, portanto, capaz de pôr um paradeiro no genocídio da humanidade e ecocídio do planeta.
Para atingirmos esse objetivo continuamos desenvolvendo uma reflexão inovadora  que seja capaz de responder aos complexos desafios da atualidade. Esta tarefa seria impossível se não contássemos com contribuições teóricas inestimáveis de várias pessoas. 
Uma das questões mais desafiadoras - e o anteprojeto nos alerta sobre isso - é que, diante da decomposição do moderno sistema patriarcal produtor de mercadorias, irrompem duas situações antagônicas. Uma é a possibilidade da emancipação humana. A outra é o afundamento da humanidade na barbárie. Um modo superior de sociabilidade, no entanto, impõe a incontornável exigência de um pensar e um fazer conscientes.
Em razão disso, desejamos sensibilizá-lo(a) para que, ao expressar suas opiniões críticas sobre o anteprojeto, você se sinta estimulado(a) e apaixonado(a) para participar das elaborações   conclusivas dos projetos do Movimento, do Jornal De Saída, do roteiro do filme/performance Assim Caminhava a Humanidade e do novo Manifesto que clama para ser escrito.
    Quando não existem caminhos traçados, voar é preciso!
*Textos já rascunhados, mas não revisados, em razão do tempo exíguo, não puderam ser apresentados nesta edição. Trata-se de apreciações importantes acompanhados de extratos das fontes e seus desvios e notas explicativas relevantes. Na próxima edição, que contará  com sua colaboração, todas as modificações  serão contempladas.


Uma revolução se desmancha no ar – a revolução capitalista.

A sobrevida adquirida com a derrocada de uma outra revolução que pretendia modernizá-la, a socialista, durou pouco.
O capitalismo no século XXI perde sua dinâmica e alcança sua fronteira histórica. A lógica de seu processo de acumulação se extingue. A relação social fundamentada no dinheiro fica sombria. A enorme acumulação de meios que o sistema dispõe não torna a vida mais bela, mais humana, plena de sentido. Ao contrário, a insistência na continuidade do sistema passou a comprometer a vida da humanidade e da natureza.
Com isso, a árvore dourada da vida ancorada nas categorias capitalistas (valor, trabalho, dinheiro, mercadoria, mercado, Estado, política, nação, democracia, direito, economia etc..) tornou-se cinzenta. Verde é a nova ideia de ruptura que apreende, combate e suplanta a totalidade do moderno sistema patriarcal produtor de mercadorias.

AS SOCIEDADES PRÉ-MODERNAS ERAM ACRÍTICAS

As sociedades pré-modernas não existiam em todo o planeta. Não possuíam consciência histórica. Não dispunham da história como uma explicitação de seus processos de evolução e formação socioeconômicas.
Além do mais, não estavam em conflito consigo mesmas, ou seja, com sua própria forma. Uma dinastia podia suceder a outra, mas a forma social como tal não era colocada em questão. A sociedade, sob tais pressupostos, aparecia sempre como sociedade em geral, não como forma específica que também poderia ser totalmente diversa.
As sociedades pré-modernas eram capazes de reproduzir-se por períodos incrivelmente longos (no caso do Egito, por séculos) sem ruírem a partir de dentro; seu declínio, pois, era condicionado antes de tudo por causas externas.
As culturas agrárias pré-modernas possuíam uma reflexão que não fazia a crítica da sociedade. Antes era uma reflexão imediata sobre Deus, ou sobre o universo, sobre a posição do homem no cosmos, sobre o enigma da morte. Era necessariamente, portanto, uma reflexão religiosa e com conteúdo religioso que permaneceu vinculada à estrutura socioeconômica pressuposta sem crítica.
Nas sociedades pré-modernas havia, desde épocas distantes, a troca local e, do mesmo modo, o comércio exterior (especiarias, seda, minérios, armas, etc). Grécia, Egito e China desenvolveram um notável comércio onde o dinheiro, sob diversas formas, foi utilizado como mediação entre as mercadorias. No entanto, nessas sociedades pré-modernas, em geral, o volume de trocas permaneceu pequeno. Afinal, eram sociedades essencialmente agrícolas, baseadas no trabalho servil e organizadas por um Estado despótico.
Assim sendo, nunca se formou, abrangendo toda a sociedade, um sistema produtor de mercadorias. E o trabalho não constituía uma esfera separada. Nem tampouco era encarado como um princípio ontológico da sociedade humana. Ao contrário, possuía um significado de inferioridade social e dependência. Estas sociedades conheceram a invenção de máquinas que aumentavam a produtividade. Mas elas não causaram nenhuma revolução no modo de produção como em séculos posteriores.
Durante longos séculos, a mercadoria permaneceu um fenômeno de “nicho”, limitada à circulação, isto é, uma troca ocasional de produtos quase sempre obtidos por apropriação direta (escravidão, servidão).
O desenvolvimento da mercadoria e do dinheiro foi submetido, no final da Antiguidade, a um declínio que durou aproximadamente mil anos. Contudo, nesse período, particularmente a partir do século XIII, foram surgindo elementos fundamentais para o nascimento do capitalismo. Inicialmente nos mosteiros, onde, pela primeira vez, atribuiu-se ao trabalho um significado moral - exatamente na qualidade de sofrimento. E o trabalho nos mosteiros era acompanhado de uma organização regular do tempo. Esta fazia parte desse fenômeno mais vasto que era a introdução do “tempo abstrato”, visível também na invenção e difusão dos relógios. Mas um novo e decisivo elemento rompeu com a caminhada lenta na direção do capitalismo.

UMA FORÇA DESTRUTIVA ABRE CAMINHO PARA O CAPITALISMO

O advento da modernidade alterou completamente essa situação, não através de uma força produtiva, mas, pelo contrário, destrutiva. O homem branco e ocidental com sua economia das armas de fogo abriu o caminho para a modernização. Foi através da invenção e uso das armas de fogo que se destruíram as formas pré-capitalistas de domínio. A cavalaria feudal tornou-se militarmente ridícula. Estava selado o destino dos exércitos trajados de armaduras. Mas a arma de fogo não estava nas mãos de uma oposição “de baixo” que fizesse frente ao domínio feudal.
Isto fica evidenciado na medida em que as armas de fogo não podiam ser produzidas em pequenas oficinas. Ao contrário, elas exigiam uma indústria de armamentos em grandes fábricas. Tanto as armas, quanto a construção de fortificações, deviam ser pagas em dinheiro, bem como os mercenários. O dinheiro começava, assim, muito mais do que durante a Antigüidade, a penetrar com profundidade na sociedade e a dissolver a vida agrária localizada. Indústrias armamentistas, corridas armamentistas e manutenção de exércitos permanentes organizados, divorciados da sociedade civil e ao mesmo tempo com forte crescimento, conduziram necessariamente à dependência do dinheiro.
A produção de mercadorias e a economia monetária (elementos fundamentais do capitalismo) passaram a existir porque contaram com a economia militar e de armamento. Através delas, as pessoas foram forçadas a trabalhar para ganhar dinheiro. 
Evidentemente, as pessoas não se deixaram levar de livre e espontânea vontade pelas exigências da nova economia armamentista e financeira. Só podiam ser forçadas a isto por meio de uma repressão sangrenta. Eis aqui a origem das guerras camponesas, no início da modernidade, até as agitações dos ludistas (chamados “quebradores de máquinas”) e a caça às bruxas. Por meio da caça às bruxas a igreja forneceu o impulso decisivo para a destruição da antiga imagem mística do mundo, e nesse sentido foi plenamente propícia aos novos poderes e novas ideias.
MERCADORIA, DINHEIRO E TRABALHO - AS ORIGENS DO CAPITALISMO
A origem do capitalismo está vinculada, portanto, à violência. Foi a repressão que transformou os pequenos produtores em trabalhadores. Para isso, eles foram expulsos de suas terras e tiveram cortados seus direitos à caça, à pesca e à lenha. A finalidade destas medidas era forçá-los a venderem a única coisa que ainda lhes restava - sua capacidade de trabalho. A junção entre mercadoria, dinheiro e trabalho está na origem da valorização do valor, da valorização do dinheiro e, portanto, do capitalismo. No entanto, outros fatores contribuíram para o surgimento e desenvolvimento do capitalismo. Entre eles cabe destacar a mudança nas formas de consciência e o disciplinamento dos seres humanos. Papel importante cumpriu, neste sentido, o sistema escolar e educacional para o adestramento espiritual e aprendizado de parâmetros comportamentais com a finalidade de se ajustar a vida inteira ao trabalho.
O nascimento da ciência moderna e sua visão quantitativa da natureza estavam vinculados ao surgimento do valor abstrato na vida social. A concepção de Galileu sobre a natureza e de Newton sobre a força gravitacional surgiram na época em que o mundo passava a se unificar sob o governo de uma única força - o dinheiro. Além disso, a glorificação do trabalho, a mudança do mundo mediante o trabalho e a defesa de virtudes indispensáveis para se obter esses objetivos ganharam, no Renascimento, uma força considerável.
A partir desse momento, torna-se decisivo interiorizar nas pessoas as exigências do trabalho. Jeremy Benthan, Hobbes, Rousseau, Kant, dentre muitos outros, pregaram uma nova submissão: não mais a um senhor de carne e osso, nem a um Deus, mas ao novo fetiche, ao mecanismo impessoal, sob o aspecto de “razão”, “vontade geral”, “progresso” e “Estado”. A razão dos iluministas era também a transfiguração da irracionalidade da valorização.
AS SOCIEDADES MODERNAS DERAM  ORIGEM A DUAS CRÍTICAS
Esse novo período nasce carregando consigo uma dinâmica sem precedentes. Essa dinâmica, que teve por base a moderna revolução industrial, submete a vida social ao movimento de valorização do dinheiro. Esse movimento se torna insaciável e se reproduz com formas sempre novas, em estágios evolutivos cada vez mais acentuados. Para dar resposta a tudo isso, a nova sociedade inaugura seus novos conceitos de revolução, processo, movimento, espaço, tempo, cultura, educação, arte, etc. A partir daí, o novo pensamento de crítica social inventa a história linear e o progresso, o olhar voltado para o futuro e a crítica de cada situação alcançada, como mero estágio transitório para uma respectiva situação nova e supostamente superior. Papel importante coube às máquinas a vapor que revolucionaram a produção industrial, seus modos de produção e troca.
Porém, a crítica social inaugurada pela modernidade dá origem a duas críticas sociais antagônicas. Uma, que ensaiava a crítica radical das formas básicas desta sociedade. Outra, que criticava a insuficiência e subdesenvolvimento da mesma. A primeira, que no início permaneceu oculta e durante um bom tempo reprimida, só recentemente foi (re)descoberta e por isso só agora dá os seus primeiros passos. Passos que poderão nos conduzir ao quarto onde estão guardados os segredos mais importantes da humanidade. A segunda sobreviveu e se desenvolveu até agora como uma reflexão imanente ao capitalismo. Sua fundamentação está baseada na teoria da modernização capitalista, ou seja, no socialismo com suas variantes (marxista, socialista, bolchevista, stalinista, trotskista, maoísta, foquista, etc.) e seus discordantes anarquistas.
As duas teorias se voltam para uma mesma base de estudos que é o capitalismo. Porém, o capitalismo não ingressou na história em estado puro, mas sim através de uma miscelânea de momentos capitalistas, pré-capitalistas, modernos e pré-modernos. Isso ocasionou uma disparidade entre os vários países continentais da Europa que eram subdesenvolvidos em relação à Inglaterra e também nos demais países do mundo, que eram ainda mais atrasados do que os subdesenvolvidos europeus. Nessa não simultaneidade interna e externa do capitalismo reside a gênese dessas teorias. Dessa contradição emanam o Marx exotérico e o Marx esotérico. Daqui advém suas distintas abordagens, com duas teorias diferentes: uma, a teoria da suplantação do capitalismo; outra, a teoria de sua modernização.
Essa contradição ainda persiste. Mas até aqui vinha prevalecendo a reflexão teórica interna das formas capitalistas. Consequentemente, a crítica ao capitalismo acabou não se referindo ao todo lógico e histórico desse modo de produção, mas sim sempre apenas a determinados estágios de desenvolvimento já percorridos ou a serem superados. Com isso, a vida do capitalismo se prolongou.
O CAPITALISMO SEM LIMITES
O objetivo da produção moderna foi transformar dinheiro em mais dinheiro. Isso porque o dinheiro passou a constituir, no capitalismo, a forma visível de uma abstração social, o valor, que é o fundamento do capitalismo. E isso só foi possível porque, no capitalismo, o trabalho se representa no valor. E a valorização do dinheiro surge, então, como uma forma de riqueza constituída pelo dispêndio do trabalho humano direto, tendo por base o tempo de trabalho. Nisto reside o coração do sistema capitalista, a produção do valor, a valorização do dinheiro.
No entanto, para obter o lucro, a venda dos bens produzidos deve render mais dinheiro do que o custo de sua produção. Alcança este objetivo a empresa que faz ofertas mais baratas de mercadorias. Quem decide, face à concorrência, é a produtividade. Para produzir grande quantidade de produtos com pouco dispêndio de trabalho vivo, ou seja, poucos trabalhadores e muitas mercadorias baratas, torna-se indispensável o uso cada vez maior de máquinas. Portanto, a diminuição dos custos exige que menos trabalhadores produzam mais produtos.
Apesar desta contradição, o sistema se expandiu. E se expandiu porque a capacidade de racionalização era, neste momento, menor que a expansão do mercado. Com isso, a indústria absorveu antigos ramos de produção artesanal, criou novos setores produtivos, inventou produtos jamais imaginados e infundiu a sede de comprar nos consumidores. O processo de aumento de produtividade, expansão e saturação dos mercados, criação de novas necessidades e nova expansão parecia não ter limites.

O APOGEU DO FORDISMO E A CONCORRÊNCIA NA MODERNIDADE
Em 1886, o engenheiro alemão Carl Benz construiu o primeiro carro. Em 1900, o engenheiro norte-americano Frederic Taylor criou um sistema que separava as áreas de trabalhos específicos, o que resultou no aumento da produção. Em seguida, o empresário Henry Ford introduziu a esteira rolante, originando um novo método de produção, o fordismo. Os resultados foram surpreendentes. De l0 mil carros por ano, a indústria fordista pulou para 248 mil carros em l914. Os novos métodos deflagraram uma nova revolução industrial. O aumento de produtividade barateou uma enorme quantidade de produtos, ampliou o mercado e criou um número espantoso de novos empregos. O capitalismo viveu sua época de ouro e os trabalhadores obtiveram suas maiores conquistas.
A Inglaterra conservou por um bom tempo a vantagem que lhe advinha do fato de ter sido a primeira nação a inundar os mercados mundiais com suas mercadorias. França, Estados Unidos e Alemanha foram os países que, no século XIX, também construíram um capitalismo industrial. Na sequência, as outras economias tiveram que contar com um nível de produtividade estabelecido pelas nações industrializadas. Tornava-se, portanto, necessário investir, antes mesmo de começar a produzir, em infraestrutura e capital fixo que deveriam estar no mesmo nível dos países mais desenvolvidos. Em outras palavras, esses países tinham um atraso a suprimir, que era tão grande, quanto o tempo que ia demorar para entrar na competição. Assim, o Japão e a Itália foram os últimos países que conseguiram entrar no grupo de “linha de frente”, tornando-se os demais países perdedores na disputa pela concorrência. No século XX , tinha se tornado impossível implantar o modo de produção capitalista num país sem que a sua economia fosse imediatamente sacudida pelo afluxo de mercadorias baratas provenientes dos países industrializados.
Após o início do século XX, o fordismo avança e o capitalismo se modifica. Na época, a transformação do modo de produção capitalista alterou o sistema de referência dos conflitos sociais. Com isso, imperialismo, economia de guerra, fordismo, taylorismo etc., polarizaram a humanidade. Isso criou uma oportunidade para uma transformação também da teoria. Ora, se o objeto da crítica se modifica, é claro que a própria crítica tem que se modificar. Mas não se modificou. A imanência ao sistema impediu a formulação teórica e a ação para a transcendência ao capitalismo.
Depois da Segunda Guerra Mundial, sob a égide da Guerra Fria, todo esse processo revelou-se através da conjuntura formada pelos “três mundos”, que marcou a segunda metade do século XX, notadamente: o “Primeiro Mundo” do velho centro capitalista, sob o comando dos EUA; o “Segundo Mundo”, representado pelo capitalismo de estado e/ou socialismo de estado, sob o comando da URSS; e, finalmente, o “Terceiro Mundo”, composto por movimentos pós-coloniais de libertação nacional e por ditaduras desenvolvimentistas das mais diferentes tendências.

A MODERNIZAÇÃO CAPITALISTA
Diante do desenvolvimento diferenciado do capitalismo, ganhou força a ideia de que um país só poderia fazer parte da modernidade se contasse com um aparelho estatal sustentado por um poder absoluto. Só assim estaria garantido um espaço protegido de qualquer concorrência exterior. Com isso, estariam sendo asseguradas e criadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento capitalista e/ou socialista desses países.
Com efeito, foi o que aconteceu na Rússia, na China e em muitos países da periferia capitalista. A mercadoria, o dinheiro, o valor, o trabalho, o Estado, o mercado, etc., não foram abolidos. Muito pelo contrário, procurou-se desenvolvê-los até o nível ocidental. A economia mercantil não seria superada, mas sim dirigida pela “política”. Repetiu-se na Rússia uma espécie de “acumulação primitiva” que implicou na transformação forçada de milhões de camponeses em operários de fábrica e na difusão de uma mentalidade adaptada ao trabalho abstrato. Os recursos da sociedade eram canalizados para a construção das infraestruturas e da indústria pesada (de base) em um nível que uma economia privada jamais teria podido alcançar. A redução do comércio exterior ao mínimo, sob o controle do Estado, permitiu a este enorme país fazer crescer uma indústria que teria desaparecido no mesmo instante se ela tivesse que fazer frente, imediatamente, à concorrência mundial.
No início, os sucessos foram consideráveis e, em pouco tempo, a União Soviética tinha se tornado a segunda potência industrial do mundo. As “democracias ocidentais” se declaravam horrorizadas com os métodos pelos quais esse resultado tinha sido atingido. Na verdade, o que elas viam lá não passava de um resumo dos horrores de seu próprio passado - a Rússia atrasada tinha repetido em alguns anos o que tinha levado séculos no Ocidente. E, com isso, a construção do socialismo na Rússia não foi nem uma tentativa de construir uma sociedade emancipada (como afirmavam seus partidários), nem a ambição tresloucada de realizar uma utopia ideológica (como queriam acreditar seus críticos burgueses), nem mesmo, também, uma “revolução traída” pela nova burocracia parasitária (como proclamavam seus críticos de esquerda). Tratava-se, simplesmente, de uma modernização tardia. Afinal, não se pode superar a mais-valia em nome da emancipação dos trabalhadores, com o valor permanecendo como base ontológica. Ao contrário, o modo de produção baseado no valor só pode ser superado com a superação da própria forma - valor fetichista.
A derrocada do Leste, que foi alardeada pelos ideólogos do sistema capitalista como o fim da história e vitória absoluta do capitalismo representou na verdade, o sinal da crise geral do sistema produtor de mercadorias.
O LIMITE DO CAPITALISMO

Nos anos 80, a terceira revolução industrial, com base na microeletrônica, levou as indústrias fordistas a atingirem seu nível histórico de saturação. Novos e sofisticados produtos tiveram seus preços barateados. Computador vai se transformando em consumo de massas. Mas, este novo surto econômico não trouxe o correspondente aumento de empregos. A produção passou a depender menos do tempo de trabalho e do montante de trabalho empregado e muito mais das sofisticadas máquinas na produção, criadas pela ciência e tecnologia.  Perante o imenso acúmulo de trabalho morto, o trabalho vivo ficou reduzido à mera supervisão e manutenção do sistema mecânico. O aumento incessante da produtividade do trabalho chegou numa situação em que o valor novo adicionado por unidade de produto é insignificante e mesquinho. Com isso, a medição pelo critério do valor se tornou insustentável. Assim, nem o trabalho e nem o tempo de trabalho são mais as condições principais da produção. O trabalho começa a deixar de ser a fonte principal de riqueza e o tempo de trabalho deixa de ser a sua medida. Aqui se inicia o extermínio da galinha dos ovos de ouro do capital, o trabalho.
Hoje, uma ruptura na nossa época, no início do século XXI, exige uma transformação ainda mais profunda e radical tanto teórica quanto prática. As novas forças produtivas da microeletrônica são as responsáveis pela nova crise do capitalismo. A riqueza material produzida, agora, é fruto de um sofisticado complexo tecnológico. O dispêndio do trabalho humano abstrato perdeu a corrida para a ciência. Antes, o fordismo marcou o apogeu do sistema. Agora, a informatização marca a sua entrada definitiva em crise. Eis o aspecto central que explica a causa e a natureza da crise atual do mundo globalizado. Não se trata de um aspecto particular mas determinante do colapso da modernização. O conteúdo material da produção se tornou incompatível com a forma imposta pelo valor.
A CRISE DA FRONTEIRA HISTÓRICA DO CAPITALISMO
A produção moderna cujo objetivo é originar o lucro está, portanto, diante de um impasse.  Reduzir o tempo de trabalho a um mínimo ou continuar com o tempo de trabalho como medida de produção, eis a questão. Pela primeira vez na história da humanidade, a nova tecnologia economiza mais trabalho do que o necessário para a expansão dos mercados de novos produtos. A capacidade de racionalização é maior que a capacidade de expansão. Uma nova fase criadora de empregos deixou de existir. O desemprego se espalha por todas as indústrias, por todo o planeta. A troca de trabalho vivo pelo trabalho objetivado se apresenta como o último desenvolvimento atual da relação do valor, da produção baseada no valor. Muda o significado de  riqueza, tempo e trabalho. A barreira histórica do capitalismo se apresenta, o seu limite vislumbrado. Diante disso,  a terceira revolução industrial provocou mudanças na aplicação do capital dinheiro. Na medida em que ele não pode mais ser reinvestido de forma rentável na economia real, porque não pode mais absorver mais trabalho, ele se desvia. O seu caminho é o mercado financeiro.
Esse deslocamento especulativo é prova concreta do limite do sistema. O dinheiro, que aparentemente circula em quantidades infinitas, já não é, mesmo no sentido capitalista, um “bom dinheiro”, mas apenas “ar quente”, com o qual a bolha especulativa foi levantada, simulando a solidez do sistema financeiro. Esta bolha estourou em 2008.  Suas consequências catastróficas estão a olhos vistos, inclusive na mídia.
 No entanto, a fronteira histórica do sistema se manifesta de forma muito diferenciada em cada país do mundo global. Por causa disso, a ilusão de um futuro promissor para o capitalismo irrompe, de vez em quando, com grande estardalhaço. Primeiro, foi o Japão. Em seguida, foi a vez dos Tigres Asiáticos. Agora, a bola da vez é Índia, China e Brasil.
No Brasil ainda está para ser bem analisada e debatida com profundidade a origem e desenvolvimento do capitalismo e os impasses de suas crises.
Na condição de ex-colônia não o fizemos. Desde a independência até a ditadura militar também não. Agora com uma governamental elite de esquerda mantemos o mesmo procedimento.
Antes éramos atados por uma condição periférica. Agora pela pretensão de ser um país emergente. A lógica e sua crise que está na base do colapso do moderno sistema patriarcal produtor de mercadorias são ignoradas. E isto num momento em que o capitalismo apresenta tanto a sua barreira econômica como ecólogica.  Essa atitude nos torna despreparados para as graves consequências que estão aí e que se agravarão face ao limite do sistema.
Essa característica da nossa formação histórica foi captada por um dos maiores escritores brasileiros, Machado de Assis. Machado não foi avesso à relação entre universalidade e a nacionalidade e sua prosa captou como ninguém a parceria dessas supostas realidades incompatíveis. Suas incursões literárias principalmente em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro” acerca das relações sociais brasileiras e mundiais transbordam de anacronismos irônicos comuns, de expressões que se mesclam umas nas outras, de caricaturas semelhantes daquela nossa época histórica e de amesquinhamento recíproco de grande envergadura.
Hoje, escancarados na mídia, o particular e o universal ganham instantaneidade e a lógica que ainda pseudojustificava a caminhada dos brasileiros(as) e demais habitantes da Terra esgotou-se. Bons ingredientes para belas, críticas e criativas composições literárias, artísticas, culturais para o novo espírito do tempo.
Afinal, a crise atual é completamente diferente das demais crises do capitalismo. Antes, tratava-se de crises relacionadas com a expansão do sistema. As crises do século XIX, por exemplo, foram superadas porque o sistema não tinha alcançado todo o planeta, toda a reprodução social. Havia ainda um espaço interno para o desenvolvimento industrial. A crise econômica mundial dos anos 30, que foi uma ruptura estrutural num nível mais elevado de industrialização, acabou dominada pelas novas indústrias fordistas e pela regulação keynesiana.
Uma questão inteiramente nova surgiu quando a acumulação fordista esbarrou nos seus limites na década de 70 e o keynesianismo desembocou numa política expansionista com base no crédito público. A chamada revolução neoliberal percebe o perigo para o capitalismo e desloca o problema do crédito público para os mercados financeiros. Estávamos diante da mais importante  ruptura estrutural do desenvolvimento capitalista marcado pela terceira revolução industrial.
Entrou no ar um nível qualitativamente diferente de produtividade. Ao cortar o galho onde estava sentado, o capitalismo apresentou não só os seus sinais de destruição, mas exibiu claramente o seu caráter autodestrutivo. Como já foi referido, seu milagre da multiplicação dos pães consistia na valorização do valor, ou seja, na valorização do dinheiro. Reforçando a análise, com a terceira revolução industrial, através da microeletrônica, o sistema elimina o trabalho que constitui a substância do capital. Sua fuga para frente, através do neoliberalismo com sua especulação financeira, possibilitava a subida aos céus do dinheiro. Mas, como esse capital-dinheiro era e é fictício, o céu se transformou no inferno. Num inferno que já dura mais de duas décadas sustentado pelo endividamento e bolhas financeiras sem substância. Portanto, estamos diante de uma conjuntura econômica global, baseada no déficit que não tem como ser sustentada indefinidamente.
Em razão disso, a era neoliberal da desregulamentação foi acompanhada por uma cadeia sem precedentes históricos de crises financeiras e de endividamento. Enquanto essas crises estiveram limitadas a certas regiões mundiais ou setores, elas puderam ser contidas por uma enxurrada de dinheiro dos bancos centrais. Mas isso só criou as bases para o culminar do processo de crise.
Assim, desde outubro de 2008 a crise da terceira revolução industrial assumiu uma dimensão global. O estouro das bolhas financeiras, agora, traz à tona a falta de acumulação real. Um novo keynesianismo de crise, entretanto, apenas deslocou o problema do mercado financeiro novamente para o crédito público em 2011. Mas isto num nível muito mais elevado do que na década de 70. O Estado tem tão pouca competência hoje, como tinha então para subsidiar a falta de acumulação real em longo prazo. A crise dos mercados financeiros é substituída pela crise das finanças públicas. Grécia, Portugal, Espanha, Itália, etc. constituem apenas a ponta do iceberg do caos da atualidade. A volta ao Estado mostra o esgotamento do sistema. Não existem mais novos mecanismos de solução da crise no nível de produtividade alcançado como demonstra a impotência dos encontros, fóruns, reuniões e medidas dos Estados Unidos, da União Europeia, da India, China e Brasil.
ESTA SOCIEDADE NÃO É A ÚLTIMA PALAVRA DA HISTÓRIA
        Os trechos dos textos que destacamos aqui constituem pontos nodais para compreendermos e empreendermos uma verdadeira ruptura com o capitalismo. Particularmente, agora, em que ele apresenta tanto a sua barreira econômica como a ecológica.
    Marcam uma virada teórica muito fértil para pessoas que não consideram essa sociedade como a última palavra da história.
    Quem não está satisfeito com debates, aulas, discussões, exposições e manifestações que se limitam a arrastar conceitos já superados encontrarão aqui elementos fundamentais para construirmos uma colossal e inovadora aventura teórica e prática.
Colapso
O termo “colapso” é metafórico e sugestivo. Foi usado por Eduard Bernstein, sem qualquer reflexão teórica, para desqualificar completamente a teoria da crise de Marx, sob o impacto do desenvolvimento capitalista empírico no fim do século XIX. O termo aparece no chamado Fragmento sobre As Máquinas dos Grundrisse, que nem Bernstein nem os seus adversários conheciam, porque os Grundrisse só foram publicados muito mais tarde. No terceiro volume de O Capital Marx fala exactamente de um "limite interno do capital" que acaba por se tornar absoluto. As anteriores “teorias do colapso" minoritárias de Rosa Luxemburgo e Henryk Grossman argumentavam com a falta de "realização" da mais-valia (Luxemburgo), ou com uma "sobreacumulação" de capital (Grossmann), que não poderia ser reinvestido suficientemente. Paul Mattick cedo se distanciou da teoria do limite interno objectivo do capital; tal como os leninistas, ele identificou o "colapso" com a ação política do proletariado. Em Marx, existem dois níveis diferentes da teoria da crise, que não estão teoricamente unificados. O primeiro nível refere-se às contradições da circulação do capital: à disparidade entre compras e vendas, bem como à desproporcionalidade com esta relacionada entre os ramos da produção. O segundo nível, nos Grundrisse e no terceiro volume de O Capital, refere-se muito mais fundamentalmente à relação entre a produtividade e as condições da valorização, ou seja, à falta de produção da própria mais-valia, ao tornar-se demasiadamente supérflua a força de trabalho. Apenas as contradições da circulação desempenharam um papel nas teorias da crise marxistas; a questão da falta de substância real de trabalho não foi objeto de qualquer debate. Na terceira revolução industrial, no entanto, apenas o segundo nível mais profundo da teoria da crise de Marx se torna relevante. A "dessubstancialização" real do capital está tão avançada que apenas é possível uma acumulação aparente insubstancial, através das bolhas financeiras e do crédito público, a qual atualmente atinge os seus limites. O que está em causa já não é a distribuição desigual da “riqueza abstrata" (Marx), mas sim a libertação da riqueza concreta do fetichismo do capital e das suas formas abstratas. A maioria dos marxistas contemporâneos, porém, regrediram até mesmo das teorias da crise anteriores e limitam-se a assumir o clássico ponto de vista pequeno-burguês de uma crítica ao "capital financeiro”. Confundem causa e efeito: reduzem a crise não à falta objetiva de produção real de valor, mas à ganância subjetiva dos especuladores. O modo de produção capitalista não é mais criticado nos seus fundamentos; só se pretende voltar à configuração fordista do trabalho abstrato. Esta opção não é apenas ilusória, é também reacionária. E tem uma semelhança estrutural com a ideologia econômica do anti semitismo...
     No Fragmento sobre As Máquinas dos Grundrisse e no terceiro volume de O Capital, Marx faz notar que o aumento de produtividade deve logicamente chegar a um ponto em que será dispensado mais trabalho abstracto do que poderá ser adicionalmente mobilizado ainda pela expansão dos mercados e da produção. Então também o aumento da mais-valia relativa por trabalhador individual não adiantará nada, porque o número de trabalhadores no conjunto utilizáveis diminui muito. Pode-se mostrar que este ponto abstractamente antecipado por Marx é atingido histórica e concretamente com a terceira revolução industrial. Se assim não fosse o capital teria podido mobilizar bastante trabalho abstracto na base dos seus próprios fundamentos produtivos, e aumentar a produção de valor real, em vez de ter de subsidiá-la numa escala sem precedentes, através de endividamento, bolhas financeiras e crédito público. O choque da desvalorização a todos os níveis do capital está em curso à nossa vista. Mas agora menos do que nunca haverá o regresso a um ponto zero, a partir do qual todo o teatro pudesse começar novamente. Pelo contrário, mantém-se a causa fundamental do desastre, ou seja, o novo padrão de produtividade estabelecido irreversivelmente pela terceira revolução industrial. Portanto, já só resta a criação repetida de novo capital monetário insubstancial pelos Estados e pelos bancos, capital que repetidamente entrará em colapso, com intervalos cada vez mais curtos.
Robert Kurz - A teoria de Marx, a crise e a abolição do capitalismo - http://obeco.planetaclix.pt/

Valor

Tanto etimologicamente quanto na prática, o conceito de valor parece designar o "bom" como tal, o desejável. Apesar da acentuação diferente, confundem-se como sinônimos o valor econômico e os "valores" éticos e culturais. Não é à toa que o fundador da economia política clássica, Adam Smith, atuava paralelamente como filósofo da moral. Mas na conceituação totalmente inversa de Marx, o valor econômico é precisamente o contrário, o negativo central da sociedade da mercadoria. Nela é "objetificado" o trabalho abstrato, a forma social fetichista dos produtos.  A expressão de um produto "ter" um chamado valor, tem para ele um significado duplo. Primeiro, enquanto são valores econômicos, extingue-se a qualidade sensível dos produtos, não passando eles de representantes materiais de trabalho abstrato indiscriminado, que apenas como tais podem ser transformados na forma de encarnação do dinheiro. Em segundo lugar, porém, revela-se na forma-valor abstrata dos produtos, que se expressa pelo preço em dinheiro, o absurdo social de que o processo vivo da apropriação da natureza pelo homem e das relações sociais por ela medidas assumem a forma de propriedades de objetos mortos. A atividade viva dos homens é absorvida, por assim dizer, por seus próprios produtos, promovidos a quase-sujeitos da sociedade, enquanto os homens, seus criadores, são degradados a meros acessórios.
O marxismo dos epígonos, na sucessão dos clássicos burgueses e em contraste a Marx, não se referia de forma negativa, mas sim de forma positiva à qualidade dos produtos de valores fetichistas, do "bom" resultado do trabalho, enquanto o conceito de objetificação foi reduzido a um mero fenômeno da consciência. A crítica passa a enfocar exclusivamente a mais-valia, isto é, a quantia "não paga" do valor produtivo, da qual é privado o trabalhador. Dessa maneira, não se crítica a qualidade destrutiva da socialização na forma-valor, mas sim apenas o mecanismo quantitativo de distribuição que se encontra sobre essa base cegamente pressuposta.
Pequeno Glossário - O Colapso da Modernização - Editora Paz e Terra.
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Em geral, o conceito de valor é tomado positivamente, seja no marxismo tradicional, no feminismo ou na economia política, onde ele aparece simplesmente na forma dos preços, como objeto da sociedade humana, sem pressupostos e suprahistórico. Não assim na "crítica fundamental do valor". Aqui o valor é compreendido e criticado como expressão duma relação social fetichista. Sob as condições da produção de mercadorias para mercados anônimos, os membros da sociedade não utilizam os seus recursos de comum acordo, para a conveniente reprodução da sua vida, mas, isolados entre si, produzem mercadorias, que só se tornam produtos sociais através da troca no mercado. As mercadorias são "valor" porque "representam" "trabalho abstrato" (dispêndio de energia social humana abstrata), ou seja, elas representam uma determinada quantidade de energia social despendida. Esta representação exprime-se por sua vez num meio particular, o dinheiro, que é a forma geral do valor para todo o universo das mercadorias.
A relação social mediada por esta forma põe de pernas para o ar o relacionamento entre as pessoas e os produtos materiais: os membros da sociedade, como pessoas, aparecem como associais, como simples produtores privados e indivíduos sem relações; o relacionamento social apresenta-se, pelo contrário, como relação de objetos, de coisas mortas, postas em relação entre si na base da quantidade abstrata de valor que representam. As pessoas são objetivadas e as coisas quase que personificadas. Cria-se uma alienação recíproca dos membros da sociedade, que não utilizam os seus recursos de acordo com decisões comuns conscientes, mas submetem-se a uma relação cega entre coisas mortas – os seus próprios produtos – comandada pela forma do dinheiro. É assim que ocorrem sucessivas utilizações erradas de recursos, crises e catástrofes sociais.

Roswitha Scholz - O Sexo do Capitalismo – Teorias Feministas e Metamorfose Pós-Moderna do Patriarcado]", http://obeco.planetaclix.pt/

Dissociação
Esta visão da "crítica fundamental do valor”, por mais lógica que se apresente e por mais plausível que seja a sua explicação de muitos fenómenos da presente crise mundial, permanece contudo, nesta sua lógica, indiferente face à relação entre os sexos. Percebe-se de imediato que aqui só o valor e o "trabalho abstracto" deste contexto ascendem, de modo sexualmente neutro, às honras da teoria, ainda que apenas como objecto da crítica radical. Continua a não se ter em conta que no sistema produtor de mercadorias também tem que ser feita a lida da casa, tem que se educar e cuidar dos filhos etc., tarefas que habitualmente são atribuídas às mulheres (mesmo se elas têm actividade remunerada) e não podem ser, pelo menos exclusivamente, tratadas de modo profissional
O conjunto do relacionamento social no capitalismo, portanto, não se determina somente pelo automovimento fetichista do dinheiro e pelo carácter de fim em si do trabalho abstrato. Pelo contrário, verifica-se uma "dissociação" especificada sexualmente, mediada dialeticamente com o valor. O dissociado não é nenhum simples  "sub-sistema" desta forma (como por exemplo o comércio externo, o sistema jurídico ou até a política), mas é essencial e constitutivo da relação social total.  Quer dizer que não há nenhuma "relação de derivação" lógica imanente entre o valor e a dissociação. A dissociação é o valor e o valor é a dissociação. Cada um está contido no outro, sem ser idêntico a ele. Trata-se de ambos os momentos centrais essenciais da mesma relação social em si contraditória e quebrada, que devem ser compreendidos ao mesmo alto nível de abstração.
O que não pode ser compreendido no valor, que é portanto dissociado, já desmente a pretensão de totalidade da forma do valor; ele representa o oculto da própria teoria e por isso não pode ser compreendido com o instrumentário da crítica do valor. As atividades femininas de reprodução, uma vez que representam o reverso do trabalho abstrato, não podem ser simplesmente cobertas com o conceito abstrato de trabalho, como faz frequentemente o feminismo, que em grande medida tomou do marxismo do movimento operário a categoria positiva trabalho.  Nas atividades dissociadas, que não em último lugar compreendem também o afeto, a assistência e o cuidado humanos, bem como o erotismo, a sexualidade e o "amor", entram os sentimentos, as emoções e as posturas, que são contrapostas à racionalidade da "economia empresarial" no âmbito do abstrato, e que se opõem  à categoria trabalho, mesmo se não estão completamente livres dos momentos da racionalidade do objetivo e das normas protestantes...
As mulheres são sempre mais responsáveis pelos filhos e pelo trabalho doméstico na esfera privada, são mais mal pagas na esfera da atividade remunerada, é raro encontrá-las em posições públicas de direção etc., o que sem dúvida radica nas atribuições e classificações modernas "clássicas" sexualmente especificadas e nas correspondentes responsabilidades reais das mulheres pelos cuidados da reprodução privada, e continua a fazer-se sentir mesmo nos tempos pós-fordistas.

Roswitha Scholz - O Sexo do Capitalismo – Teorias Feministas e Metamorfose Pós-Moderna do Patriarcado http://obeco.planetaclix.pt/
Trabalho Abstrato
À primeira vista, o trabalho parece sempre ser concreto, pensando-se em determinada atividade útil e no caso do substantivo abstrato, na generalização dessa atividade. Mas nos sistemas produtores de mercadorias, o "trabalho" como tal, sem conteúdo especifico, torna-se como abstração real um poder material direto. O abstrato, nascido da mente, aparece frente a essa mente, na forma de dinheiro, como fenómeno real externo. O dinheiro, a encarnação do trabalho abstrato, não deixa transparecer nenhum conteúdo concreto; apresenta sempre a mesma qualidade, sendo um fenómeno insensível com forma sensível, um paradoxo. Ali onde o dinheiro, como imperativo social de fazer mais dinheiro, passa a trazer em si sua própria finalidade, a abstração real estende-se também ao próprio processo de trabalho material. Os homens, antes de qualquer determinação concreta e substancial, transformam-se em mônadas do dispêndio de força de trabalho abstrata. Em agregados altamente diferenciados cooperam de forma diretamente social, porém no grau mais alto de indiferença e alienação recíprocas. Podem satisfazer suas necessidades apenas indireta e posteriormente, mediante o processo abstrato de automovimento do dinheiro. Os projetos cada vez mais monstruosos de exploração do "trabalho sans phrase" apresentam-se como algo que se independentizou de seus autores. Todo estudante de economia política repete, já no primeiro semestre, irrefletidamente e com grande convicção, a afirmação de Keynes de que abrir e fechar buracos poderia ser útil para a mobilização e o aumento da riqueza social. O trabalho abstracto é, portanto, uma espécie de neurose obsessiva da economia.
O marxismo dos epígonos falhou completamente na crítica do trabalho abstrato. Para eles, o trabalho, na forma de existência em que o encontraram, era o "bom" ontológico, que teria sido violentado apenas exteriormente pelo capital, compreendendo eles o conceito de trabalho abstrato irrefletidamente como definição positiva. Por isso aconteceu que os livros didáticos de economia do socialismo real se referiam a ele como necessidade da técnica contábil ou até como objetivo explícito do Estado.
Pequeno Glossário - O Colapso da Modernização - Editora Paz e Terra.

Fetichismo da Mercadoria
Conceito que se origina na crítica da religião do século XVIII, sendo considerado uma característica essencial de religiões "primitivas". Fundamentava-se nas observações de colonizadores portugueses na África e servia para designar uma crença que imagina em objetos mortos uma alma e forças sobrenaturais. Marx referiu esse conceito ironicamente à moderna sociedade produtora de mercadorias, que se sujeita a um fetichismo análogo na forma do dinheiro e de seu movimento de exploração em empresas. Assim, o conceito tornou-se corriqueiro na critica da lógica da mercadoria, apesar de ser, a rigor, demasiadamente geral. Pois no fundo, Marx não quer ressaltar o facto de que a objetos em geral podem ser atribuídas forças sobrenaturais que nada tem a ver com sua existência natural, mas sim caracterizar um estado social em que a sociedade não tem consciência de si mesma, não penetra nem organiza diretamente na prática sua própria forma de socialização, mas sim tem que "representá-la" simbolicamente em um objeto externo. Esse objeto (que também pode ser animado) assume então um significado sobrenatural que não é idêntico a sua forma externa, mas que aparece através desta. Em virtude desse significado adquire ele, apesar de sua banalidade material, poder sobre todos os membros dessa sociedade. Um etnólogo diria talvez que o totem constituiria uma analogia mais adequada. Nos modos de produção asiáticos, o Filho do Céu ou Imperador Divino assume essa função, e no feudalismo, o solo. O dinheiro, como uma das muitas formas do fetichismo, existe em todas essas sociedades, mas ainda não possui a função geral de representar a socialização inconsciente, que adopta outras formas. Somente na modernidade assume o dinheiro definitivamente essa função. Por isso, pode ser designado como totemismo objetivado e secularizado da modernidade. Não é à toa que tem suas raízes no âmbito sacral, facto que quase sempre ressaltam os apologistas do moderno sistema produtor de mercadorias, sem refletir o que estão dizendo com isso. Somente em conexão com sua crítica do fetiche mercadoria e de sua forma de manifestação, como dinheiro, pode-se compreender por que para Marx a modernidade ainda faz parte da "pré-história da humanidade". Pois cabe dizer, numa inversão daquela perspectiva etnológica que se recusa a chamar de "primitivas" as culturas muito antigas e os povos incivilizados, que também o sistema produtor de mercadorias da modernidade é ainda uma sociedade primitiva.

Pequeno Glossário - O Colapso da Modernização - Editora Paz e Terra.
A constituição da matrix fetichista
No entanto, a teoria de Marx contém no conceito de crítica do fetichismo uma abordagem inteiramente diversa da realidade. Para ele o fetichismo não é apenas uma representação invertida da realidade, mas uma inversão da própria realidade.  
Para uma crítica radical do fetichismo trata-se de denunciar como aparêcia a própria subjetividade. Trata-se de dissolver os objetivos, a vontade e a ação subjetiva das pessoas. Elas apenas executam a forma-fetiche pressuposta a todos os sujeitos.
Para o marxismo, o movimento autônomo do capital, a valorização do valor, não decorre da essência ou seja do fundamento do sistema capitalista, mas de sua aparência e, por isso ele remete sua resposta aos objetivos, à vontade e à atitude subjetiva das pessoas resolvendo-se, portanto, na subjetividade.
O marxismo e as teorias tradicionais da dominação tornaram-se cúmplices do fetiche e, hoje, vêem-se impossibilitados de criticá-lo em sua objetividade.
O anátema lançado aos dominantes e a eterna suposição de que nas próprias formas modernas de dinheiro e da mercadoria seria possível uma sociedade inteiramente diferente e mais humanitária levou à devastação humana e ambiental.
O estruturalismo ou a teoria dos sistemas e o pensamento iluminista e seus sucedâneos pós-modernos possuem uma identidade interna que os torna incapazes de uma crítica da forma-mercadoria.
O pensamento iluminista permanece cego para a verdadeira constituição fetichista sem sujeito. O estruturalismo e a teoria dos sistemas e seus desdobramentos pós-modernistas/hipermodernista abrem mão do propósito de captar a constituição sem sujeito.
Mas, Marx parte de uma premissa bem fundamentada ao propor uma distinção entre primeira natureza (biológica) e a segunda natureza (constituída pelo fetichismo e codificada simbolicamente). Tal distinção é decisiva para a crítica radical do fetichismo. E o conceito de fetichismo é a chave para a compreensão da história desde o início até os dias atuais.
A segunda natureza significa que a sociabilidade dos seres humanos constitui-se e apresenta-se de maneira análoga à primeira natureza. Mas analogia não é uma identidade, isto é, primeira e segunda natureza não se equiparam.
A constituição sem sujeito da segunda natureza não advém como resultado natural, mas histórico. A constituição sem sujeito na primeira natureza advém da transformação biológica e natural. A distinção entre a primeira e a segunda natureza e o seu dimensionamento através da crítica radical do fetichismo fornece os fundamentos indispensáveis à humanidade para a sua libertação.
O ser social surgido e não criado vem à luz como inconsciente de si mesmo e essa inconsciência advém da própria forma de consciência e reprodução inconscientemente constituída.
Mas o ser social surgido não seria plasmado à segunda natureza, sem recorrer a um sistema simbólico (códigos) que forma a sua estruturação humana. Aqui reside o cerne da constituição da matrix fetichista!
Marx captou essa questão no conceito de “sujeito automático”, figura através da qual o valor onipresente, invisível e objetivado da reprodução capitalista de fetiche reina cegamente. No contexto da crítica da economia política e da determinação econômica da forma do capital em termos gerais, essa definição pode ser suficiente, embora para a compreensão da constituição do fetiche e do problema do sujeito como tal ela seja insatisfatória.
Os conceitos de fetiche e de segunda natureza apontam para o fato de que existe “algo” que não se resolve no dualismo sujeito-objeto e que não é nem sujeito e nem objeto, embora constitua essa relação.

O ponto decisivo é que tem de haver um plano no interior da constituição humana e social, e, portanto, também no interior de cada ser humano isolado, plano esse situado além do dualismo entre sujeito e objeto.

O conceito chave para a compreensão desse plano só pode ser o conceito de inconsciente (Freud). Mas o inconsciente freudiano não constitui um passo fundamental tanto na elaboração crítica para a ausência do sujeito (estruturalismo) quanto para a crítica da superação do sujeito (iluminista). Freud circunscreveu  o conceito de inconsciente sobretudo no aspecto individual e psicológico e não enfrentou o problema da constituição social do inconsciente. Com isso ontologizou sua descoberta e atrelou o inconsciente diretamente à primeira natureza (impulso sexual). Através de uma dedução pessimista interpretou que as contradições ontologizadas de impulsos inconscientes e produtos culturais seriam insuperáveis (pulsão da morte)
Marx, ao contrário, chega através de Hegel a uma historização da história da forma que ele expõe como história das formações (político-econômicas) da sociedade. Com isso, ele enfrenta o problema da forma universal da consciência que ele aborda historicamente como constituição do fetiche. Marx, no entanto, não deixa dúvidas que se trata aqui de formas de consciência universais e invertidas.
Se Marx não se estende sobre a forma universal da consciência do sistema produtor de mercadorias constituídas pelo fetiche, isso ocorre porque seu pensamento defronta-se aqui com um limite: a referência ao trabalho (ontologia do trabalho). Isso coloca seu pensamento numa jaula de ferro. O ponto de vista de classes e do operariado caminha para uma simplista abordagem dualista e antagônica que cai nas malhas de uma visão reducionista e sociologista de dominação. Evidentemente que isto impede que a forma universal da consciência seja posta claramente.

Dominação Sem Sujeito(Extratos) – Robert Kurz – Seminário Internacional Teoria Crítica Radical, Superação do Capitalismo e Emancipação Humana - Fortaleza/2000

Razão (Iluminismo)
Conceito pouco claro do pensamento ocidental desde a Antiguidade. Na época do iluminismo (séculos XVII e XVIII) foi proclamada a emancipação da razão dos grilhões da religião. Queria-se que os homens se libertassem da dependência que eles mesmos causaram e atuassem no mundo conscientes de seu próprio valor. Mas a razão não suprimiu a religião, senão apenas a secularizou, o que se revela claramente na "Deusa Razão", idolatrada durante a Revolução Francesa, na forma simbólica de uma estátua. O carácter fetichista ou totemista dessa crença na razão foi provado pelo facto de que em seu nome foi desencadeado o processo cego da socialização  mundial capitalista, a qual, quanto à forma, é precisamente o contrário da consciência humana de seu próprio valor. A razão universal supostamente absoluta rebaixou-se à mera racionalidade funcional, a serviço do processo de valorização do dinheiro, que não tem sujeito, até a atual capitulação incondicional das chamadas "ciências do espírito". O universalismo abstracto da razão ocidental revelou-se como mero reflexo da abstracção real objectiva do dinheiro.

Pequeno Glossário - O Colapso da Modernização - Editora Paz e Terra.

Corpo Sem Sangue

A mídia e as instâncias oficiais querem nos deixar já preparados: muito em breve, uma nova crise financeira mundial vai se desencadear, e ela será pior do que a de 2008. Fala-se abertamente de “catástrofes” e de “desastres”. Mas o que vai acontecer depois? Como serão nossas vidas depois de um desabamento dos bancos e das finanças públicas em larga escala?...
Não se pode ter certeza de que chegaremos a esses extremos. Mas até um desabamento parcial do sistema financeiro nos colocará diante das conseqüências pelo fato de que nós somos consignatários, estamos mão e punho ligados ao dinheiro, confiando-lhe a tarefa exclusiva de garantir o funcionamento da sociedade. O dinheiro existe desde o alvorecer da história, asseguram-nos: mas nas sociedades pré-capitalistas, ele não jogava mais do que um papel marginal. Foi apenas nas últimas décadas que nós chegamos ao ponto em que quase cada manifestação da vida passa pelo dinheiro e em que o dinheiro se infiltrou nos mais recônditos recantos da existência individual e coletiva. Sem o dinheiro que faz as coisas circularem, somos como um corpo sem sangue.
Mas o dinheiro “apenas” é real quando ele é a expressão de um trabalho verdadeiramente executado e do valor no qual o trabalho se representa. O resto do dinheiro não passa de uma ficção que se baseia unicamente na confiança mútua dos atores — uma confiança que pode se evaporar, como se vê atualmente. Estamos assistindo a um fenômeno não previsto pela ciência econômica: não assistimos à crise de uma moeda, e da economia que ela representa, em proveito de uma outra mais forte. O euro, o dólar, o iene, estão todos em crise, e os raros países ainda com nota AAA pelas agências de rating não poderão por conta própria salvar a economia mundial. Nenhuma das receitas econômicas propostas funciona, em lugar nenhum. O mercado livre funciona tão mal quanto o Estado, a austeridade tão mal quanto o aquecimento da economia, o keynesianismo tão mal quanto o monetarismo. O problema se situa em um problema mais profundo. Estamos assistindo a uma desvalorização do dinheiro enquanto tal, à perda de seu papel, portanto, estamos assistindo a sua obsolescência. Mas não por uma decisão consciente de uma humanidade finalmente exausta daquilo que já Sófocles chamava “a mais funesta das invenções dos homens”, mas por um processo não controlado, caótico e extremamente perigoso. É como se tirássemos a cadeira de rodas de alguém depois de lhe ter durante muito tempo privado do uso natural das pernas. O dinheiro é nosso fetiche: um deus que nós mesmos criamos, mas do qual cremos depender e em favor do qual estamos prontos a tudo sacrificar para apaziguar suas cóleras.

O dinheiro está se tornando obsoleto? Anselm Jappe.
Tradução Robson Oliveira

Sujeito

O conceito de sujeito, no fundo, é paradoxal, é um conceito fetichista. Por um lado, o sujeito é entendido como uma instância de pensamento e de ação autônomos. Por outro lado, porém, este mesmo sujeito, justamente na sua qualidade de sujeito revolucionário de classe, deve ser condicionado de modo puramente objetivo. Ele deve ter "objetivamente" uma "missão histórica", independentemente de os seus titulares empíricos saberem disso ou não. A suposta autonomia de pensamento e de ação desmente-se a si mesma se assenta numa pré-determinação inconsciente. É como se a crítica radical não fosse uma acção da consciência, livre e não-determinada, mas sim um mecanismo causalmente condicionado, como o tempo ou a digestão. A função da consciência seria então, apenas, consumar conscientemente a própria causalidade. Mas essa é precisamente a determinação fetichista do pensamento e da ação no domínio do capital. Se a emancipação enquanto sujeito, embora consciente, só deve ocorrer como um processo natural ou mecânico, então será o contrário de si mesma.
Pode-se determinar objetivamente os mecanismos cegos do capital, mas não a libertação da falsa objetividade, libertação essa que não pode voltar a ser de novo objetiva. A libertação é um facto histórico e, portanto, não pode ser teoricamente “deduzida”, como a queda tendencial da taxa de lucro. O famoso "sujeito objetivo" do marxismo tradicional não é senão uma categoria do próprio capital, ou uma função do "sujeito automático" (Marx) do trabalho abstrato e do valor. Não existe nenhum grupo social no capitalismo que tenha uma pré-determinação ontológica transcendente. Todos os grupos sociais são pré-formados pelo valor e, portanto, constituídos de modo capitalista. Quando se fala de "interesses" é preciso fazer uma distinção. Há, por um lado, os interesses vitais das pessoas, de conteúdos materiais, sociais e culturais, que são idênticos às suas necessidades históricas.
Estes conteúdos estão, por outro lado, amarrados à forma capitalista. O conteúdo real das necessidades é assim visto como secundário; apenas o interesse capitalista, constituído sob a forma de dinheiro (salário e lucro), é imediatamente percebido. Claro que é inevitável que as necessidades  reais ou interesses vitais sejam reivindicados. No entanto, se a diferença entre o conteúdo e a forma deixar de ser vista, esse interesse vira-se contra os seus titulares: estes tornam então os seus interesses dependentes, para a vida e para a morte, de que a valorização do capital funcione. Reduzem-se a si mesmos a um “sujeito objetivo" que entrega a sua vida às leis do capital e considera essa submissão normal. Pelo contrário, é importante declarar o conteúdo real das necessidades como absolutamente inegociável. Somente então existe a possibilidade de intensificar a tensão entre a forma capitalista e este conteúdo, até à crítica que transcenda para além do capital. Isso não será ato de um "sujeito objetivo”, mas de seres humanos, que apenas querem sê-lo e nada mais. Um movimento emancipatório não tem qualquer fundamento ontológico pré-consciente, pelo contrário, tem de constituir-se a si mesmo, “sem rede nem fundo duplo”.
Robert Kurz - A teoria de Marx, a crise e a abolição do capitalismo -http://obeco.planetaclix.pt/

Greve na Exclusão Social Darwinista

A crítica do valor não é simplesmente contra as lutas sociais imanentes ao capitalismo. Estas são um ponto de partida necessário. No entanto, a questão é saber em que sentido se desenvolvem tais lutas. Aqui a fundamentação desempenha um papel importante. Os sindicatos habituaram-se a apresentar as suas exigências não como decorrendo das necessidades dos seus membros, mas como contribuição para o melhor funcionamento do sistema. Assim, diz-se que seriam necessários salários mais altos para fortalecer a conjuntura económica, e que eles seriam possíveis porque o capital tem altos lucros. Mas, logo que a valorização do capital obviamente emperra, esta atitude leva a render-se voluntariamente à co-gestão da crise, no "superior interesse" da economia da empresa, das leis do mercado, da nação, etc. Esta falsa consciência existe não apenas entre os profissionais dos sindicatos, mas também nas chamadas bases. Se as trabalhadoras e trabalhadores assalariados se identificam com a sua própria função no capitalismo e exigem aquilo que precisam apenas em nome dessa função, tornam-se eles próprios “máscaras de carácter” (Marx) de um determinado componente do capital, nomeadamente a força de trabalho. Assim, eles reconhecem que apenas têm direito à vida se conseguirem produzir mais-valia.
Daqui decorre uma concorrência acirrada entre as diversas categorias de trabalhadoras e trabalhadores assalariados e uma ideologia de exclusão social darwinista. Isto é particularmente evidente na luta defensiva pela conservação dos postos de trabalho, que não tem qualquer perspectiva para além disso. Aqui muitas vezes concorrem entre si pela sobrevivência até os empregados das diferentes empresas do mesmo grupo. Portanto, é essencialmente simpático, e de resto também mais realista, que os trabalhadores franceses tenham ameaçado fazer explodir as fábricas para forçarem a obtenção de uma indenização de despedimento razoável. Estas novas formas de luta não são defensivas nem positivas, mas poderão ser combinadas com outras reivindicações, como por exemplo a melhoria do rendimento dos desempregados. Na medida em que de tais lutas sociais surja um movimento social, também este, com a experiência dos seus limites práticos, se confrontará com as questões de uma nova “crítica categorial” ao fim em si fetichista do capital e das suas formas sociais. A concretização desta perspectiva avançada é a tarefa da nossa elaboração teórica, que não existe num além abstracto, mas se entende como momento do debate social.
Robert Kurz - A teoria de Marx, a crise e a abolição do capitalismo http://obeco.planetaclix.pt/

CRISE DO ESTADO E CRISE DA POLÍTICA
A crise do trabalho tem como consequência a crise do Estado e, portanto, da política. O Estado moderno constituiu-se como uma instância superior que garantia, no quadro da concorrência, os fundamentos jurídicos normais e os pressupostos da valorização dos sistemas produtores de mercadorias. Para garantir isso era indispensável a existência de um aparelho de repressão para a possibilidade do material humano insubordinar-se contra os sistemas  capitalista e socialista de Estado. No capitalismo sem limites, o Estado assumiu de forma crescente tarefas socioeconômicas como saúde, educação, rede de transportes e comunicação, infraestruturas de todos os tipos que eram indispensáveis ao funcionamento da sociedade do trabalho.
Mas, o Estado não transforma trabalho em dinheiro, ou seja, o Estado não constitui uma unidade de valorização autônoma e por isso precisa retirar dinheiro do processo real de valorização, fruto da produção e contradição entre o capital e o trabalho. Faz isso taxando, através dos impostos, os rendimentos capitalistas do mercado (lucros, salários, honorários). Mas, como vai se esgotando o trabalho, esgota-se a valorização. Esgotada a valorização, esgotam-se também as finanças do Estado. O Estado apresenta-se desnudado e exibe a sua dependência diante da economia cega e fetichizada da sociedade do trabalho. Na crise desta sociedade, tanto a propriedade privada, quanto a propriedade estatal, ficam obsoletas porque as duas formas de propriedade pressupõem, do mesmo modo, o processo de valorização. A propriedade estatal é apenas uma forma derivada da propriedade privada, tanto faz se com ou sem o adjetivo socialista.
Com o crescente desemprego estrutural de massas,  esgota-se a renda estatal proveniente dos impostos sobre os rendimentos do trabalho. Com a crise, caem fora também as rendas estatais provenientes dos impostos sobre os lucros das empresas. Por outro lado, os trustes  transnacionais obrigam os Estados que concorrem por investimentos a praticarem todo tipo de bandidagem. Os limites da economia nacional são dinamitados. Regiões mundiais inteiras são cortadas dos fluxos globais de capital e mercadorias.  Numa onda de fusões sem precedentes históricos, os trustes se preparam para a última batalha da economia empresarial. Estados e nações são desorganizados e implodem. Populações são empurradas para a loucura da concorrência. Na luta pela sobrevivência massacram-se em guerras étnicas de bandos. Com novas roupagens ressurgem o racismo, canibalismo, homofobia, xenofobia, genocídio, patriarcalismo, nazismo, fascismo.
Com a permanência e agravamento da crise crescem a exclusão, discriminação, terror, violência, guerra, narcotráfico, desemprego, etc. A barbárie ronda todas as cidades do Brasil e do Mundo. Acontecem estupros de bebês e crianças. A desesperança e a miséria se alastram. O serviço público virou calamidade. A sociedade mal funciona. O “lixo humano” fica sob a competência da polícia, das seitas religiosas de salvação, da máfia, dos esquadrões da morte e/ou grupos de extermínio. Aumenta enormemente o número de pessoas nas prisões, particularmente jovens. Diariamente, crianças e pobres são assassinados. Três quartos da humanidade afunda em estado de miséria e calamidade porque o sistema social de trabalho não precisa mais do seu trabalho e são declarados como lixo social. A natureza está ameaçada de destruição. Uma catástrofe de imensas conseqüências atinge os fundamentos naturais da vida e ameaça também a sociedade.
Além disso, diante da crise atual, o patriarcado fica ainda mais selvagem. O resultado das democracias fordistas para as mulheres já foi a carga dupla, a dupla jornada de trabalho, salários diferenciados, subalternidade, discriminação, humilhação e violência sexual. Agora vem a terceira, que além de acentuar a dissociação nas relações entre os sexos e a cisão entre o público e o privado, pretende tornar as mulheres responsáveis pela sobrevivência impossível da sociedade atual, que o  mundo masculino, irracionalmente, quer prolongar.
ESTADO E POLÍTICA COMO ADMINISTRADORES DA BARBÁRIE
O Estado democrático transforma-se, com isso, em mero administrador de crises. A educação vira privilégio para incluídos e enganação para excluídos. A cultura intelectual, artística e teórica é remetida aos critérios do mercado, vai padecendo e se desqualificando e destilando o tédio cotidiano. A saúde não é mais financiável. Descaradamente vale a lei da eutanásia social: porque você é pobre e “supérfluo” não tem direito a nada e tem que morrer bem antes. Desempregados, moradores e meninos de rua, sem-teto, sem-terra, sem nada, doentes, idosos e excluídos são atirados no aterro sanitário social. O Estado virou um sistema de apartheid que não tem mais nada a oferecer aos seus ex-cidadãos.
Diante da barreira histórica do modo de produção de mercadorias, os seus atuais integrantes e postulantes resolveram cometer suicídio ao lado do capitalismo. Pois o Estado se converteu num aparelho para a barbárie, terror, loucura, corrupção, assassinato, tráfico, demagogia, violência, escárnio, cinismo, etc. Por isso, só pessoas que reúnem aptidão e qualidades para tais atividades podem integrar um tal aparelho e executar sobre o povo e sobre si mesmas, com o avanço da crise, o veredicto do sistema.
Esta crise não pode ser revertida através da política. Pois política é em sua essência uma ação relacionada ao Estado que se tornou, na situação atual, completamente sem sentido. Num mundo fundamentalmente mentiroso, a política, como portadora da  mentira, tem seu papel relevado para enganar as pessoas. A finalidade da política só pode ser a conquista do aparelho de estado para dar continuidade à sociedade da política. A política fala de realismo quando devasta o mundo e ameaça a vida. Fala do que é melhor para a cidade e a torna cada vez mais feia e animalesca. Fala em humanismo e deixa a pessoa humana empobrecida e miserável no meio da riqueza. Evidentemente, fica impossível, nessas condições, haver alguma regulação política democrática para a crise do trabalho e da política. O fim do trabalho torna-se o fim da política.
Com isso, a política ficou reduzida a mero espetáculo. Um espetáculo que leva você a obedecê-lo, que coloca você a seu serviço, que o apaixona para servi-lo e que o conduz para a passividade, resignação e mediocridade. Todos concordam que não fica bem vender um político, como se vende um detergente. Mas, vendem e eleitores continuam comprando. Por isso, a atuação política virou tarefa de demagogo. Por mais chocados que fiquem os adoradores da deusa-política, a política acabou.
Portanto, a impotência da política também contribui para dimensionarmos melhor que a crise atual se apresenta como crise final do capitalismo, a crise da própria forma-valor e não apenas de seus aspectos secundários. Fazem parte dela: a crise ecológica; a impossibilidade, na época da globalização, para a política e para os estados nacionais de continuarem a funcionar como instâncias reguladoras; a crise do sujeito constituído pelo valor-dissociação, particularmente visível na crise da relação entre os sexos e o esgotamento da sociedade do trabalho e de seus fundamentos.
A CRÍTICA NA HISTÓRIA

O pensamento pré-moderno acrítico só era possível sob a condição de que a sociedade repousasse estaticamente sobre si mesma e o pensamento reflexivo se reportasse, não ao vazio, mas a uma ordem divina. Não há mais volta a esta situação.
O pensamento moderno, tendo por base a filosofia iluminista burguesa e a teoria econômica a ela vinculada e praticada, realizou uma grande façanha, ao vender o contexto da forma social capitalista, antes totalmente inexistente, como uma lei natural da convivência humana. Este êxito contou com uma destacada contribuição da crítica imanente ao capitalismo. Enquanto o capitalismo tinha horizontes pela frente, ficou fácil projetar para toda a história da humanidade a necessidade das relações sociais capitalistas. Mas, agora, a crise mundial atual escancara os limites do sistema. E a teoria imanente ao capitalismo esvai-se junto com ele. Daí só pode advir uma razão, a razão que quer desesperadamente justificar a administração da barbárie.
O pensamento pós-moderno constitui a crítica social fragmentada no estado terminal do sistema e se coloca contra toda teoria que examina o conjunto da sociedade. Trata-se de uma reflexão teórica que cada vez mais se fragmenta porque a dinâmica social a ela subjacente extinguiu-se. As gerações pós-modernas, portanto, já não compreendem os conceitos de reflexão. Elas são o que são e mais nada. São perfeitamente idênticas a seus atos banais, quanto mais absurdos forem estes atos.     
O pensamento do Movimento Sair do Capitalismo  entende a teoria como crítica categorial ao capitalismo, às suas raízes, como crítica à irracionalidade do moderno sistema de produção de mercadorias, ou seja, ela repudia as classificações ontológicas básicas do capitalismo: trabalho, valor, dissociação, mercadoria, dinheiro, mercado, Estado, nação, política, democracia, direito, economia (solidária ou verde),  etc. Ela examina o modo de produção capitalista fundamentalmente em suas formas político-econômicas elementares, que abrangem todos os grupos, classes e camadas sociais que formam o sistema coletivo de referência dos conflitos sociais intercapitalistas.
A PROBLEMÁTICA GLOBAL DA CRISE ENCONTRA
SUA EXPRESSÃO NA QUESTÃO FEMININA.
A sociedade atual é resultado de uma longa história patriarcal e cristã–ocidental da socialização pelo valor e da dissociação entre os sexos. Para essa história contribuiu decisivamente o homem branco e ocidental. Para que a racionalidade do homem moderno pudesse impor-se na esteira do legado antigo e para além dele, era necessário anular a mulher e tudo o que ela representava. Mas não se tratava apenas do fato dos homens expropriarem brutalmente a ciência medicinal empírica das mulheres; antes o que estava em jogo era um projeto fundamentalmente diverso de relacionamento com a natureza.
Agora, essa sociedade apresenta um tipo de crise que põe em cheque sua identidade sexual. Por isso, a superação da socialização pelo valor exige também a superação da sua identidade masculina. Em razão disso, toda tentativa de estender o véu da neutralidade sexual sobre a crise do valor está condenada ao fracasso.
Pela primeira vez na história da humanidade a problemática global da sociedade em crise encontra sua expressão na questão feminina. Superar o patriarcado, hoje, é superar a forma fetichista da mercadoria. Pois aqui reside o fundamento da dissociação patriarcal e a convocação para uma construção histórica para além do fetichismo da mercadoria e de suas atribuições sexuais.
A origem deste homem branco e ocidental, como vimos anteriormente, vem da economia das armas de fogo nos primórdios da modernidade e do potencial destrutivo destas; mas sua constituição e forma de reflexão teórica consciente apenas podem ser encontradas no iluminismo. Por causa disso, a crítica radical do valor e da dissociação, a crítica do sujeito e a crítica do iluminismo constituem um todo indivisível. Afinal, a construção histórica do iluminismo concorreu para a constituição da forma do sujeito moderno, capitalista, masculino e permeada pela ideologia do valor e da lógica da dissociação – um sujeito destrutivo.
A forma do sujeito não é outra coisa senão esse modus geral da relação do valor moderno e capitalista, a forma geral de pensar e agir da socialização do valor. Trata-se aqui, por um lado, dessa forma que se apresenta aos indivíduos como totalidade fetichista do sujeito automático objetivado. Mas esta forma também é, simultaneamente, a dos portadores(as) das ações individuais e institucionais; e, enquanto tal, ela constitui, num sentido mais restrito, a forma do sujeito ou a forma sujeito.
A sociedade do valor e da dissociação representa em si um programa de tábua rasa. Ela constitui a negação brutal de todo o mundo sensível, ecológico e social. Emancipação, portanto, significa a negação da negação do mundo contida na própria forma sujeito. A subjetividade negativa contra o próprio sujeito deve ser entendida como uma superação transformadora do sujeito. Uma definição claramente negativa e transformadora da formação do sujeito contra o sujeito. Sujeito, mas apenas para abolir o sujeito. Portanto, um contra-sujeito ronda o mundo – o sujeito da desfetichização!
É inegável que anteriormente não foi possível a formação de um movimento que fosse capaz de eliminar o capitalismo e, conseqüentemente, o Estado, a política, o mercado, o dinheiro, a mercadoria e demais categorias fundantes. Não foi possível a formação de atores que forjassem a história da emancipação humana. As experiências revolucionárias do século passado demonstram isto cabalmente. A ausência desse movimento constitui, portanto, a maior vitória do capitalismo.
Isso porque, entre outras razões, a teoria que fundamentava a luta de quem tencionava acabar com o capitalismo, cuja fundamentação residia na história da luta de classes, não dimensionou a compreensão da crítica radical de que os trabalhadores foram criados pelo valor. Por isso, foram transformados em comparsas da política e do capital e não dirigentes das suas próprias vidas, vividas e projetadas. Afinal, toda criatura tem dificuldade para superar o seu criador, de substituir o amor da servidão pelo desejo da liberdade. A crítica radical, cuja fundamentação reside na história das relações fetichistas,  elimina esta grave insuficiência teórica. Nossa arma é a crítica radical do valor- dissociação que restabelece a identidade, no pensamento e na ação, entre forma de existir e forma de pensar o até aqui impensável.
Agora, poderemos adentrar no labirinto atual guiando-nos com o fio de Ariadne da crítica radical. Hoje, poderemos superar de vez este sistema de horror, pondo um paradeiro no genocídio da humanidade e ecocidio do planeta e construindo a nossa emancipação do capitalismo. Portanto, o aspecto central da práxis emancipatória tem que ser a suplantação do capitalismo, a superação do sujeito e não a administração da sua crise. Basta de capitalismo de fim do mundo, pelo fim do mundo do capitalismo!
O colapso da modernização deixa claro que é impossível viver nesta sociedade sem uma transformação emancipatória. A ciência e a arte se deparam com este desafio. Na medida que vem à tona o caráter agudo das contradições (éticas, sociais, ambientais, filosóficas, artísticas, culturais, históricas, econômicas, científicas etc.) o saber científico e sua aplicação passam a enfrentar uma opinião cada vez mais expressiva para que a ciência não continue como um mundo à parte, ao mesmo tempo fonte de fascínio e angústia, mas coloque suas descobertas a serviço da emancipação. Situação ainda mais desafiadora enfrenta a arte em geral. Pois a estagnação e a falta de perspectiva da arte moderna correspondem à estagnação e à falta de perspectivas da sociedade da mercadoria. A glória da primeira passou juntamente com a glória da segunda. Assim, a humanidade só poderá ter futuro se caminhar para além do sistema produtor de mercadorias. O movimento encara o obstáculo que tem de ultrapassar. Portanto, uma subversão inédita ronda o mundo – a subversão pra sair do capitalismo.
A OPORTUNIDADE HISTÓRICA DO MOVIMENTO SAIR DO CAPITALISMO
Até aqui não se contava com uma ideia desenvolvida de um movimento social de ruptura com a ordem estabelecida.
Não havia uma nova ideia de revolução para formar um polo oposto à barbárie reinante.
Não existia uma proposta para apreender e combater a totalidade capitalista no sentido de suplantar o moderno sistema patriarcal produtor de mercadorias.
Em decorrência disso, os movimentos sociais existentes como os Indignados da Europa, da Primavera Árabe, do Occupy Wall Street, os movimentos sociais e ecológicos,  os sindicatos, os partidos no Brasil e  América Latina permaneceram (e permanecem) presos à imanência do sistema. O que faz com que as simples lutas defensivas, mesmo as reivindicações modestas e imediatas não tenham possibilidade de vitória por não se colocarem numa perspectiva de suplantação do sistema. O resultado, como se sabe, foi (e continua sendo) a manutenção da luta pela modernização do capitalismo.
Mas o capitalismo já alcançou a sua modernização. Hoje, ele se depara, na crise atual, com sua fronteira histórica. E quem administra a crise dessa fronteira, administra a sua barbárie. Eis porque a persistência da teoria e da prática desses movimentos na atualidade se reveste de um caráter retrógrado. E isso torna os movimentos sociais impossibilitados de pôr um paradeiro no genocídio da humanidade e no ecocídio do planeta.
Não havia, como consequência disso, uma proposta de um movimento social inovador. Mas, agora, com base nessa radical inovação irrompeu uma ideia em Fortaleza, que provoca a humanidade – o Movimento Sair do Capitalismo. Trata-se da ideia de um movimento capaz de transformar a relação social existente e construir a sociedade pós-capitalista. A saída pra vida plena de sentido.
Os anos na persistência da luta; a (re)descoberta da dinâmica capitalista (valorização do valor, do dinheiro), ou seja, da sua essência, da sua lógica, do fundamento do sistema; as contribuições teóricas inestimáveis de várias pessoas; o limite histórico do caráter destrutivo e autodestrutivo do capitalismo; o colapso do sistema e o insight do devir histórico de um movimento transcendente contribuíram para dar vida a essa nova proposta.
Sua concretização supera as concepções teóricas e práticas que reinavam, até aqui, afirmando que a crítica ao sistema só poderia ser exercida no horizonte do próprio modo de produção capitalista.
Com isso, chega ao fim a capitulação incondicional às regras, normas, princípios, organização e funções do Mercado, Estado e demais categorias fundantes do capitalismo.
Entra na ordem do dia a vontade consciente do ser humano para o iniciar da construção de um modo superior de sociabilidade que vai muito além das formas fetichistas da mercadoria, da política, do trabalho e do dinheiro. Aqui a pré-modernidade, a modernidade, a pós-modernidade e a ultramodernidade se revelam como pré-históricas.
Para o movimento basta aproveitarmos esta única e admirável conjunção histórica que passou a existir na trajetória da humanidade. Trata-se de uma conjunção que, de um lado, faz com que a crise atual apresente os limites do sistema capitalista, num momento em que uma transformação social profunda pode ser realizada. Do outro lado, passamos a contar com uma formulação teórica e um movimento prático que reúnem condições para dar conta desta transformação emancipatória.
Portanto, não deveríamos perder esta rara oportunidade histórica. Afinal, a inconsciente  utilização dos meios materiais existentes levou a sociedade a um funcionamento absurdo, e no entanto, nos possibilitou os meios materiais para uma organização superior do mundo que alcance a emancipação humana. Com a emancipação, deixaremos de viver sob o império da barbárie, do terror e da ameaça de aniquilamento total da humanidade e da natureza.
Analisando as experiências passadas (afinal, não foram poucas as lutas realizadas) percebemos que a práxis emancipatória está em gestação. Uma gestação da revolta que exige uma prática coerente. Que recuse encontrar um lugar confortável na alienação geral, na busca de migalhas num mundo degradante. Uma prática que enfrente a crise atual da sociedade capitalista considerando que essa sociedade ameaça destruir a natureza, e portanto, ameaça a todos nós, ficando cada vez mais afetados o solo, a água, a atmosfera e os alimentos que se tornam transgênicos. Uma prática que adote formas de luta cuja compreensão, organização e atuação sejam baseadas na ação direta das pessoas, para que possamos nos forjar enquanto visão teórica e prática da totalidade. Uma prática que não seja de luta pela distribuição no interior do sistema, mas iniciativas que visem a suplantação do capitalismo. Uma prática que questione tudo, as nossas relações e os objetivos da transformação da sociedade e da natureza. Uma prática em que nossa recusa da política afirme a práxis transformadora para construir a felicidade humana, abolindo no nosso meio tudo o que tende a reproduzir a alienação. Uma prática que seja uma declaração de guerra à irracionalidade reinante. Uma prática que faça parte de um projeto que visa a uma existência rica e apaixonante, oposta à contemplação passiva, e que quer abolir tudo o que, atualmente, torna impossível tal vida. Uma prática da qual possa se originar um radical e novo movimento social contestatório: o movimento da emancipação. Uma práxis que exija uma combinação quase que perfeita entre imanência e transcedência, entre reforma e revolução, entre  conscientização e sua atuação correspondente. Pois nosso tempo histórico indica que estamos confrontados com a decadência do capitalismo mas não ainda com o seu desaparecimento.
Para alcançar a superação desse sistema torna-se indispensável construirmos um movimento social totalmente novo. Que contenha não só uma crítica teórica radical, mas também, uma atividade prática radical. Um movimento que contribua para o deslanchar de um novo processo histórico.
É evidente que não se trata de um movimento de caráter local, regional ou nacional, mas de um movimento social transnacional emancipatório. Um movimento, portanto, que enfrente e supere o patriarcado, o racismo, o ecocidio e a sociedade produtora de mercadorias com seu fetichismo e sujeito. É hora de darmos esse passo à frente. Um passo para pensar e construir o processo emancipatório mundial, compreendendo que uma ofensiva de transformação social dessa envergadura só poderá se realizar se houver uma concentração de esforços. Críticos(as) radicais de todo mundo, uni-vos!
É compreensível que os poderes da nossa cidade, estado, país e mundo nos considerem loucos porque queremos pôr fim à pré-história da humanidade. Mas, nada temos a perder senão a catástrofe para a qual eles nos conduzem. Temos a ganhar a Terra da emancipação humana.

A VITÓRIA DO MOVIMENTO SAIR DO CAPITALISMO
SERÁ A DESFETICHIZAÇÃO DO MUNDO
Um fetichismo domina o mundo - o fetichismo da mercadoria.
Sua manutenção ameaça a vida humana e do planeta. Sua suplantação possibilita a emancipação de toda a humanidade.
Tal fetichismo que não é só uma representação inversa da realidade, mas uma inversão da própria realidade constitui a base da sociedade atual. Uma sociedade que, em consequência disso, não tem consciência de si mesma. Uma sociedade que não organiza diretamente sua própria forma de socialização e dissocia homens e mulheres. Uma sociedade que se submete ao domínio de uma abstração real, o valor, que representa o trabalho e se expressa no dinheiro. Uma abstração que tem poder sobre todos os membros dessa sociedade. Uma sociedade que coloca as relações entre as pessoas como relações entre as coisas e das coisas. Uma sociedade que diariamente assassina a natureza. Uma sociedade em que o fetichismo da mercadoria se opõe ao ser humano, à sua própria sociabilidade. E o que é mais grave, é considerado como axioma implícito, pano de fundo tácito que é proibido questionar, uma obviedade axiomática.
Hoje, em todas as bases da sociedade produtora de mercadorias, esse fetichismo fez morada. Impregnou todos os seus aspectos. Vive da inconsciência humana. Reina através da servidão voluntária. Leva o ser humano a viver uma vida monstruosa. Tenta prolongar a vida capitalista. Sustenta todos os demais fetiches. Oculta segredos da sua superação. Impede a emancipação humana.

Será possível superar o fetichismo?
Desfetichizar é pensar o impensável, é desnudar a lógica fetichista, é fazer a realidade se aproximar do pensamento, é desontologizar o capitalismo, é desenvolver uma teoria capaz de dimensionar: 1º) que a realidade surge no fetichismo e o fetichismo é real; 2º) que o valor é a dissociação e a dissociação é o valor; 3º) que a crise atual do capitalismo não é só crise do limite do valor, mas também crise do limite da relação entre os sexos e crise do limite da relação entre o ser humano e a natureza; 4º) que a revolução contra a constituição do fetiche e seu sistema é a mesma da superação do sujeito; 5º) que a história só pode ser compreendida como história das relações fetichistas.
Compreender o fetichismo é captar, em primeiro lugar, a lógica destrutiva e autodestrutiva dessa sociedade e, em seguida, a sua história.  Do ponto de vista lógico, por exemplo, é o valor que conduz à criação das classes. E foi a luta de classes que produziu a modernização do capitalismo.
Antes, a fetichização do mundo do valor-dissociação possibilitou o desenvolvimento do capitalismo. A partir daí, com a valorização do valor, este sistema desconheceu obstáculos. Hoje, com a microeletrônica, atingiu seu limite e o resultado é o impasse atual. O capitalismo perdeu sua dinâmica. A época do não sabe mas faz passou. O mundo do macho acabou. O valor e a dissociação podem desaparecer.
Com isso, o fetichismo da mercadoria através de sua inversão entre o concreto e o abstrato, entre o ser humano e os seus meios e entre o sujeito e o objeto provoca rachaduras na aparência e começa a expor a sua essência, a sua irracionalidade. O resultado é o colapso da civilização.
Agora, a concepção do mundo com base nas formas fetichistas sofre profundos abalos. Inusitadamente os relâmpagos advindos dos mercados financeiros mundiais indicam, pela primeira vez na história, sinais de que o fetichismo pode ser superado. E, como o fetichismo da mercadoria é o fetichismo por excelência, sua superação possibilitará também a superação de todos os demais fetichismos. Por causa disso, nunca houve um período da história em que a vontade consciente da pessoa humana tenha tido tamanha importância.

Será possível superar o fetichismo?
Desfetichizar é fazer o impossível, é construir o Movimento sair do Capitalismo, é superar o fetichismo, o patriarcado, o racismo e o capitalismo com as suas categorias fundantes. Desfetichizar é desnudar a aparente racionalidade da modernidade capitalista.
Eis o início instigante do processo emancipatório! O momento de pegar a chave, abrir a porta e entrar no quarto proibido onde estão guardados os segredos de toda a humanidade! A época para o vôo mais alto da inteligência humana! O período da mais bela luta de todos os tempos!
É para pensar o impensável e fazer o impossível que este movimento nos desafia!
O MOVIMENTO SAIR DO CAPITALISMO E A NOVA ÉPOCA
Como vimos, através de nossa análise, o capitalismo só surgiu, se desenvolveu, superou suas crises e hoje, na sua decadência, balança mas não cai porque estão intactas suas formas sociais categoriais básicas.
Elas resistem e permanecem há séculos gozando de uma perenidade de causar espanto aos seus novos coveiros. E, ainda hoje, são consideradas como axiomas implícitos, um pano de fundo tácito que é proibido questionar. Criticá-las é como se o mundo viesse abaixo por causa dessas críticas. Ao contrário, é exatamente por falta da crítica teórica e prática a essas categorias que o mundo está vindo abaixo. Se isto persistir, persistirá o capitalismo, persistirá a barbárie capitalista.
Se as categorias fundantes do capitalismo (valor, trabalho, dinheiro, mercadoria, mercado, Estado, política, nação, democracia, direito, economia, etc.) continuarem existindo, deixará de existir o ser humano, a natureza e o planeta Terra. Uma conclusão realista diante das catástrofes previsíveis, mas de dimensões imprevisíveis que se anunciam!
A crítica radical do fetichismo nos permite compreender que ele nos acompanha desde os primórdios da humanidade. Por causa disso, a nossa história é a história das relações fetichistas. Vale dizer, não só a história contemporânea. Por mais diferentes que as relações sociais tenham sido na história das sociedades até aqui existentes, uma conclusão se impõe: todas elas foram dirigidas por meios fetichistas. Nunca existiram, portanto, sociedades autoconscientes que pudessem decidir livremente sobre o emprego de suas possibilidades. O moderno sistema de produção de mercadorias representa, apenas, a última forma social da dinâmica fetichista.
Com isso, o mundo capitalista passa, a partir de agora, a ser dimensionado como uma etapa passageira na história da humanidade. E a consanguinidade, o totemismo, a propriedade do solo e o valor passam a ser considerados como etapas mais longas do processo através do qual o ser humano se despregou da natureza, tornando-se um ser relativamente consciente em relação à primeira natureza, mas não ainda em relação à segunda natureza, que é a sua própria conexão social criada por ele mesmo.
Com tudo isso, evidencia-se a resposta para a verdadeira dimensão da crise mundial no século XXI. Trata-se da superação não só da história capitalista, mas da história existente até agora. Não só a era da Guerra Fria chegou ao fim. Chegou ao fim também a história mundial da modernização. Não apenas essa história especificamente moderna, mas a história mundial das relações de fetiche em geral.
Em razão de tudo isso, o Movimento Sair do Capitalismo decidiu fazer deste tempo o seu tempo: um tempo para além da relação social do valor - dissociação.
Esse projeto radical é o único que pode abrir perspectivas nas lutas das idéias e práticas sociais e ecológicas da atualidade. Sua razão de ser reside no fato de que o movimento é a expressão concentrada de uma transformação histórica ansiada por cada vez mais gente.
O que tem nele de radicalmente novo corresponde precisamente às novas tendências históricas que configuram uma crise de novo tipo da sociedade moderna. Uma crise que expõe, pela primeira vez, as fronteiras do sistema capitalista.
Captar essas tendências foi o primeiro sinal antecipado do triunfo da subversão do Movimento Sair do Capitalismo. Seu segundo sinal será a ruptura ontológica, a suplantação do moderno sistema patriarcal produtor de mercadorias e sua substituição por uma sociedade humanamente diversa e desfetichizada, socialmente igual e criativa, ecologicamente exuberante e bela, prazerosa no ócio produtivo e completamente livre.

Antifetichistas de todo o mundo, uni-vos!

Rio de Janeiro, 15 de junho de 2012